Que delícia é sentir o cheirinho da comida feita sem pressa, no fogão à lenha, com ingredientes frescos e temperos naturais. Essa experiência tão presente na memória dos nossos pais e avós parece cada vez mais distante de quem vive o dia a dia corrido da cidade.
Com o objetivo de resgatar um pouco dessas tradições culinárias da roça, a Associação Cultural Tatuapé promove, nesse final de semana, a quarta edição do Festival Gastronômico Rural no Parque da Cidade, em São José dos Campos. (leia mais sobre o festival nesta página)
O evento vai reunir diversas barracas de comida caipira, de diferentes regiões do estado. Entre elas, uma dedicada à gastronomia mateira — que utiliza animais de caça e ingredientes da época –, comandada pelo chef Idolo Giusti. Confira, abaixo, o bate-papo com o chef sobre a comida mateira:
Quando você despertou seu interesse por esse tipo de comida?
Fui convidado pela Mercedes-Benz, em 2012, para cozinhar a bordo de um veleiro interoceânico, de Mike Horn, um aventureiro sul-africano, e esse foi meu primeiro contato com grandes expedições e com esse tipo de cozinha mais rústica, que se adapta ao que está disponível no bioma e utiliza os recursos naturais disponíveis naquela situação. Mas já tinha a influência da família também. Meu avô era guarda florestal e eu vivia com ele no meio do mato. Mas foi nesse evento da Mercedes-Benz que fui entender, na íntegra, o que é cozinha mateira.
Quais as características mais marcantes da cozinha mateira?
O resgate das tradições, do modo de cozinhar, de guardar e conservar os alimentos. É uma forma de preparar que remete às nossas raízes. Mas não é um tipo fácil de gastronomia. Pra mim, se torna simples por conta do contato que sempre tive com ela. A cozinha mateira é mais complexa porque requer muita atenção e técnicas que vêm se perdendo.
Que conceitos da culinária mateira precisam ser mais difundidas hoje?
O valorização do que é sazonal e local. Tem gente que quer comer o queijo da Canastra, mas mora a 500 Km da região, sendo que tem um vizinho que produz um queijo espetacular e que é desconhecido. É preciso usar os recursos que estão ligados ao lugar que você está. Quase sempre é possível utilizar produtos regionais, que são economicamente viáveis, orgânicos e, assim, contribuir para a sustentabilidade.
Você acha que a falta de conhecimento sobre os produtos é uma limitação?
Sem dúvida. Vou dar um exemplo. Passo por uma avenida em São Paulo que é repleta de uma árvore que dá o “amendoim de árvore”, uma castanha sensacional e ninguém sabe, conhece. Os pés estão carregados, no meio da rua e ninguém pega. Sempre que passo por lá, volto pra casa com a mochila cheia delas.
É um tipo de PANC (planta alimentícia não-convencional)?
Não concordo muito com essa definição. PANC tem a ver com perda de cultura. As plantas são convencionais, estão por aí. O que aconteceu é que o homem perdeu o conhecimento sobre elas e partiu para o que é mais comercial.
Você acha que os chefs têm uma responsabilidade grande na difusão desses conhecimentos?
Essa é uma função que tem 100% dessa responsabilidade. Mas os chefs que podem passar essa mensagem não são os chefs da moda, são os que trabalham com esse tipo de alimento. Mas temos uma limitação, que é justamente o volume de produção do que é sazonal. Conheço um produtor de alface orgânica que estava negociando a venda do produto para uma empresa, mas ela exigia que todos os pés tivessem 300 gramas. Como é possível controlar uma produção orgânica? As pessoas precisam entender essas questões. Temos “milhões” de coisas que podem ser consumidas ao longo do ano, mas você precisa respeitar a sazonalidade. Espero que cada vez mais as pessoas aprendam e foquem nesse tipo de cultura.
Mais sobre o Festival
Até dia 23, domingo, a quarta edição do Festival Gastronômico Rural reúne 20 espaços de comida caipira com receitas tradicionais de diferentes regiões do Estado. O evento acontece no Parque da Cidade, em São José dos Campos.
Um dos pratos que podem ser encontrados é o “rojão”, churrasco feito com diversos tipos de carne como pernil e lombo moído. Para quem quiser conhecer a comida mateira, tem “arroz mateiro” (com verduras e legumes da época) e carne de jacaré, servidos na folha de bananeira.
Redenção da Serra está representada com a lingüiça artesanal. Já Piquete, com a comida tropeira (torresmo, virado e polenta). Pra quem gosta de doces, tem “suspiro” de Ferraz de Vasconcellos e doces cristalizados caseiros de Praia Grande.
Festival Gastronômico Rural
A partir das 11h; sábado, dia 22, até 22h; domingo, dia 23, até 20h
No Parque da Cidade, em São José dos Campos
Entrada gratuita