Ricardo Felizardo, depois de uma temporada em Curitiba, está de volta à região. Foto: Thiago Rodrigues/Divulgação

Há tempos não escrevo para o Degusta. Depois de uma temporada no sul, estou de volta ao Vale do Paraíba e garanto que estarei sempre por aqui trocando minhas experiências com todos vocês. Pensando nos laços familiares e nas amizades verdadeiras, resolvi expor minha percepção em relação à afetividade que existe na nossa alimentação e que, muitas vezes, sem percebermos, ela nos regozija e transborda nosso anseio de viver, cada dia com mais ternura. Espero que aproveitem e resgatem suas memorias gastronômicas.

Nos últimos cinco anos eu tenho transitado e vivido em diferentes cidades. Além das receitas e das técnicas culinárias vividas, existem também histórias para serem contadas, histórias que são reflexos de um olhar mais doce pela vida.

Das riquezas escondidas nos livros de receitas ou até mesmo em pequenos rascunhos engordurados, lá no fundo da gaveta da cozinha, afetividade não falta. Receitas que são inspiradas na vivência dos que ali habitam, imaculados estão todos os modos de preparo, em papéis marcados com fragmentos de amor e de cultura. Sabedoria e conhecimento impresso, que nem mesmo uma busca aprofundada no “Google” nos daria.

Patrimônio afetivo e imaterial: anotações da vovó Maria de Lourdes Serpa. Foto: divulgação

Escritas em momentos de vigor e de dor, trazem quase sempre acalanto para as nossas almas, a receita da avó, que por anos repete aquele bolo de aniversário, o qual ninguém consegue reproduzir como a autora (rs). Mas mesmo assim transcendem as gerações com aquela massa levinha, fofa, firme e, ao mesmo tempo, úmida de afago e perspicácia. E o recheio então? Esconde os segredos que unem e reúnem as almas em uma só valsa.

Poderia citar inúmeras referências dos grandes seres humanos que com maestria contaram-me os segredos e os enigmas escondidos no passo a passo de cada obra. O pão incomparável da minha mãe, que há mais de 50 anos é servido quente, semanalmente, com mel, do assado à lenha do meu tio, homem bruto, caçador e que domina o fogo, sem esquecer ainda daqueles que nunca anotaram em folhas de papel o que aprenderam num descontraído almoço de domingo. Memórias que devem ser cultivadas com muito apreço, essas que nos conectam, curando, das vãs filosofias do modismo que a gastronomia vem sofrendo. O respeito vem antes das receitas e dos que a executam. Cada ingrediente, cada produtor e toda sua cadeia têm importância para manter vivo e fresco o que chega até as nossas mesas!

Memórias afetivas em um dia de culinária em Ubatuba, Litoral Norte de São Paulo. Foto: Luis Junior/Divulgação

Que possamos seguir valorizando nossa essência, sem negarmos o fato de que somos parte do receituário escrito com afinco, pelos que já estão neste mundo muito antes de nós. Nos próximos encontros ensinarei algumas receitas que me inspiraram e que fazem parte da pesquisa sobre a cozinha afetiva. Até breve!

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