Item intimamente ligado à rotina de uma propriedade rural, o queijo traduz muito da cultura em que está inserido. As famílias produtoras do laticínio respiram a prática de sua fabricação. Queijeiro não descansa sábado, domingo, nem feriado, pois a produção de leite do rebanho não para.
Com o projeto Sabores da Mantiqueira: roteiro gastronômico da região do rio Sapucaí Mirim, que procura, por meio de expedições gastronômicas, conhecer e valorizar o trabalho de produtores autênticos da região, tivemos a oportunidade de conhecer três fabricantes de queijo com estilos distintos e, com isso, ter um aprendizado enorme sobre esse segmento que vem ampliando seu destaque e espaço no cenário gastronômico.
O primeiro foi o seu João do Paulo, antigo morador do bairro do Sertão do Canta Galo em Gonçalves (MG). Seu João representa o estilo de quem traz consigo a tradição rural brasileira. Começou logo menino na lida do campo e conta com emoção as histórias antigas do local. Dá para perceber o orgulho quando fala de todo o conhecimento aprendido com o avô dele.
Com a esposa e o filho, fabrica diariamente o queijo minas artesanal de leite cru, típico da roça, de casca lavada, vendido e consumido na pequena região. Uma das características únicas é o acabamento dado às peças depois de desenformadas, feito com a casca da caixeta ou pente de macaco, semente de uma planta que se assemelha a uma lixa.
Recentemente, o filho de seu João adquiriu uma “ordenhadora”, mas ele faz questão de mostrar a forma de ordenha manual que praticou a vida toda. Presenciar um pouco da rotina da família dá a esperança de que, de alguma forma, a tradição sobreviva através das gerações.
Seguindo nossas expedições, conhecemos, na cidade vizinha de Paraisópolis (MG),o trabalho de Conrado Marques Pereira, do sítio Lumiar. Além de laticínios, a propriedade busca o equilíbrio com pequenas produções de algumas hortaliças sem utilização de agrotóxico.
Um dos pontos que mais chama a atenção é o manejo com o rebanho, trabalhando um sistema de rodízio de piquetes: o grande pasto é dividido em pequenos lotes e, após a ordenha diária, osanimais retornam cada dia para uma área diferente. Com isso, o controle sobre a alimentação é maior,bem como o controle parasitário.
Conrado tem preferência pelas vacas da variedade Jersey, animais de pequeno porte, que possuem um leite com mais massa sólida e, com isso, mais aproveitamento por litro. O seu principal produto é o queijo minas padrão, elaborado com leite pasteurizado, escolhafeita para atender a legislação e conseguir o Selo de Inspeção Municipal (SIM).
Para complementar a linha de laticínios, Conrado investiu também na fabricação de iogurte e, buscando um diferencial, implantou um sistema de garrafas de vidro retornáveis que são vendidas em alguns comércios locais parceiros, valorizando o produto e buscando fidelizar seu público.
O terceiro visitado foi Arthur Veloso do K-Braz, situado em Brazópolis (MG). Com o irmão, herdou uma grande fazenda que tinha como atividade a produção convencionalde leite bovino. A maior parte era vendidana linha de leite, mas como o valor que se paga por litro é muito pequeno, pois ele se torna uma commodity, Arthur quis investir em algo que agregasse valor ao seu produto. Assim, iniciou o trabalho com as cabras leiteiras.
Mesmo mantendo a produção de leite bovino, hoje a propriedade elabora excelentes chevrotins, boursins e parmesãos de cabra. Buscou, principalmente nos estilos franceses, um diferencial para os queijos e vem trabalhando desde então com o desenvolvimento do público. Atende alguns restaurantes e empórios da região da Mantiqueira e do Vale do Paraíba, mas semanalmente está presente em diferentes feiras de produtos artesanais, levando à degustação e à venda direta.
É recente o olhar dos brasileiros para queijos autenticamente nacionais. Apesar de ainda serem mais valorizados os produtos estrangeiros, em especial os europeus, aos poucos estamos começando a dar a devida atenção às características únicas de cada terroir brasileiro. A função do que hoje se conhece como afinador de queijos, aquele que trabalha a cura e a maturação em um ambiente controlado até o seu melhor momento, vem apresentando interesse de alguns empreendedores. Pode-se observar também o trabalho de profissionais que buscam descobrir nossas preciosidades quando o assunto é o laticínio e evidenciar suas melhores características. O segmento temenorme potencial a ser explorado.
Uma região que há algum tempo vem apresentando destaque significativo no desenvolvimento característico de seu produto é a cidade de Alagoa, situada no circuito turístico Terras Altas da Mantiqueira, no Estado de Minas Gerais. Tivemos a honra e o prazer, agora em julho de 2018, de participar como jurados do 9º Festival do Queijo e do Azeite de Alagoa MG.
Uma das atrações foi justamente um concurso, organizado pela Emater, com o objetivo de eleger o melhor queijo da cidade. O queijo de Alagoa se assemelha em estilo e produção a um parmesão, mas apresenta características únicas.
Independentemente de colocações no concurso, pudemos perceber o enorme potencial do item para a região nas 29 amostras que degustamos e no contato que fizemos com dezenas de produtores. Hoje, a pequena cidade “respira queijo”. Reconfortante também foi perceber que muitos dos participantes eram jovens, ou seja, a segunda, terceira ou até quarta geração levando adiante aquela tradição. Agregar valor ao fabricante rural, mostrando o seu diferencial, traz melhores possibilidades para que o homem se estabeleça e invista no campo.
O mercado do queijo nacional tem um futuro muito promissor, se os produtores tiverem o espaço necessário para desenvolver seus próprios estilos, com todo respeito aos clássicos, mas sem a obrigação de ser um queijo tipo gorgonzola, tipo gouda,“tipo isso” ou “tipo aquilo”, e sim sendo um autêntico queijo brasileiro!