Difícil pensar em um elemento mais emblemático que o queijo quando pensamos na cultura gastronômica mineira, não é por acaso que o item está constantemente presente nas mesas da Mantiqueira.
Assim como algumas receitas e técnicas, provavelmente o preparo de queijos tenha surgido de forma acidental há mais de 5 mil anos, ao se notar que o leite azedo se separava em duas partes: soro e massa; dando origem aos mais diversos tipos ao redor do mundo, como consequência de anos e anos de observação, domínio e aperfeiçoamento das técnicas de fermentação do laticínio.
O preparo de queijo nada mais é do que uma técnica de conservação do leite, essencial para o cotidiano rural. Durante as expedições do projeto, tivemos a oportunidade de visitar diferentes produtores com conceitos distintos na essência de seus trabalhos. O primeiro foi ‘Seo’ João Paulo, atualmente um dos moradores mais antigos do bairro do Sertão do Cantagalo em Gonçalves-MG.
É muito rico ter um dedo de prosa com ele e o ouvir as histórias da origem do bairro; compravam apenas sal, tecido e querosene para as lamparinas, o restante era tudo produzido de forma caseira.
O queijo que ‘Seo’ João produz coma esposa Dercilia tipifica um dos processos mais autênticos e simples da produção do laticínio: o queijo de leite cru, no caso dele, derivado de vacas da raça girolando.
Após a ordenha e separação do leite, este recebe a adição do coalho e, após algum tempo, é enformado; o sal é acrescentado nesse momento em cada camada de massa de queijo que entra na forma, e em uma porção mais generosa em sua superfície, o que ajuda a proteger o produto durante o seu processo de maturação.
Atualmente o coalho utilizado é de origem industrial, mas ‘Seo’ João nos conta que no passado a coagulação do leite era produzida por pequenos pedaços secos do estômago de porco ou paca, técnica similar a muitas receitas de queijos do Brasil e da Europa, e que se relaciona à própria história da origem do queijo.
Hoje pode-se notar uma maior preferência pelo queijo fresco, que é consumido um ou dois dias depois do seu processo de fabricação.Entretanto, o queijo mais atrelado à tradição é o tipo meia-cura, cujo processo de produção e maturação ainda nos remete à época em que os tropeiros movimentavam todo o comércio de mercadorias regionais, em longas jornadas entre as vilas e cidades, levando no lombo dos burros todas as provisões necessárias à vida urbana.
Este modo de transporte não era favorável aos queijos frescos, com sua massa ainda com pouca estrutura. O consumo dos queijos meia cura têm retomado a atenção do cenário gastronômico e é fato que depois da maturação é que o queijo apresenta suas verdadeiras características, decorrentes da ação do fermento lácteo presente em cada peça.Em razão disso, costumamos ouvir dos produtores a afirmação de que o queijo é um alimento vivo!
Como todo produto, algumas características fazem do Queijo do Sertão do Cantagalo um item único, em sua produção o acabamento é feito pela ralação de sua camada superficial com a “caixeta”, nome dado à semente de uma árvore do mesmo nome encontrada na região. Essa semente possui uma casca repleta de pequenos espinhos, que funcionam como uma lixa; durante a cura os queijos são “ralados” dessa forma e lavados quase que diariamente.
A forma original do processo de cura também é única, se trata de uma cura externa que acontece em tábuas instaladas nas varandas das casas, protegidas apenas com uma tela que impede a ação de insetos,de forma que os queijos se desenvolvem respirando o ar fresco da Mantiqueira.
Você encontra os queijos artesanais de Gonçalves-MG nas vendas, restaurantes e pousadas da cidade.